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A inexistência de termos específicos nas interpretações de vídeo aulas: onde está a qualidade de ensino aos estudantes surdos?


No último mês, estamos vivenciando uma torrentes de vídeo aulas, decorrente da pandemia do corona vírus. Professores se desdobrando nas aulas ao vivo, improvisando materiais de aulas (não tão adequados, pelo curto período de tempo). Cada um filmando onde pode: em casa, no jardim, no escritório; e em alguns casos indo às escolas particulares para padronizarem os vídeos, ou mesmo em pequenos estúdios montados pelas secretarias estaduais de educação e transmitindo pelo Youtube e outros canais.

Neste turbilhão de atividades ainda contamos com a participação de vários intérpretes de libras, que aparecem mediando o conteúdo explicado pelo docente para os estudantes surdos. Porém, em várias situações, pode-se perceber que muitos ficam parados, dependendo do conteúdo abordado, uma vez que não existem termos técnicos suficientes em libras para que se possa desenvolver a interpretação. Nesta situação, como fica o estudante surdo?

Não é de hoje que esta problemática vem sendo debatida, em várias áreas, professores e estudantes estão criando vocabulário a fim de ampliar o léxico da língua brasileira de sinais. Alguns podem até dizer que na ausência de uma palavra, pode-se utilizar a datilologia, ou seja, formar a palavra a partir do alfabeto manual, no entanto, para a compreensão do conteúdo só a datilologia não é suficiente.

Vejamos o exemplo do termo VETOR, utilizado em uma vídeo aula de física do Ensino Médio. Nós, como falantes de língua portuguesa, poderíamos compreender plenamente seu significado, afinal, a palavra VETOR está escrita em português, no entanto sabemos que isso não é suficiente para sua real compreensão, finalidade, aplicação e desenvolvimento de atividades. Nesta vídeo aula de física, o intérprete utiliza-se do alfabeto manual, pois não há um sinal específico.

A criação de léxicos facilita o processo de comunicação entre as pessoas, possibilitando aprofundar o conhecimento nas diversas áreas de estudo. Podemos perceber em Gomes (2018) a preocupação para estabelecer esta ponte entre conteúdo e alunos surdos nas áreas de fotografia, animação e design gráfico, quando explica que “um glossário auxiliará na maior inclusão do surdo na sociedade, na educação e no próprio mercado de trabalho – já que a utilização sinais padronizados torna mais simples para o surdo participar e conseguir um melhor entendimento de cursos, oficinas, palestras e trabalhos na área” (GOMES, 2018, p. 122).

Imaginemos um estudante que conclua um curso de fotografia sem o pleno domínio dos termos e conhecimento aprofundado na área. Provavelmente não conseguirá uma colocação no mercado de trabalho decorrente das lacunas de aprendizagem e os conhecimentos que não foram consolidados pela falta de compreensão decorrentes da inexistências de sinais específicos.

Outra pesquisa interessante refere-se aos termos mosquito e dengue. Para diferenciar as doenças transmitidas pelo mosquito Aedesaegypti, o sinal acabou sendo mudado. Podemos conferir isto no trabalho publicado por Xavier e Santos (2016). Os participantes envolvidos tiveram que analisar as características dos mosquitos transmissores, as imagens dos vírus e desenvolveram sinais mais precisos para abordar os mosquitos: Aedesaegypti e Aedes alpictus; e as doenças: dengue, zika e chikungunya.

A criação/adaptação ou inserção de vocabulários nas línguas é um desenvolvimento normal que ocorre em qualquer idioma, fazendo parte de seu desenvolvimento. Assim como o processo de envelhecimento e desuso de alguns termos ao longo dos anos. É necessário mais estudos para o desenvolvimento de sinais mais específicos para que as aulas interpretadas em libras não fiquem na superficialidade e comprometa a compreensão e aprendizagem dos estudantes surdos.

Também encontramos estudos importantes como o de Soares, Gomes e Costa (2017), que aborda o desenvolvimento de termos relacionados à energia; Nascimento (2009) que enfatiza a importância dos processos terminológicos (criação de sinais); e Silveira e Sousa (2010) na área de Química. Nascimento alerta para os processos terminológicos da Libras, principalmente no que se refere à criação de sinais inexistentes nas diversas áreas de conhecimento.

Urge a criação de sinais em todas as áreas do conhecimento. Acreditamos que muito já tem sido feito e produzido, porém o acesso aos novos sinais ainda é limitado e não tem sido propagado na sociedade e nas escolas. Em alguns casos, mantendo-se cativos nos ambientes acadêmicos. Pouquíssimos sinais técnicos estão disponíveis em repositórios digitais disponíveis ao público.

Desta maneira, as interpretações que estão ocorrendo, principalmente as de maneira emergencial, nas vídeo aulas necessitam urgentemente de sinais mais específicos para o aprofundamento do conteúdo a ser transmitido, caso contrário, o intérprete apenas está passando um conhecimento superficial ao estudante surdo.

Referências

GOMES, Bianca A. Pesquisa e desenvolvimento de glossário de sinais em libras para termos técnicos das áreas de fotografia, animação e design gráfico. Nuevas Ideas en Informática Educativa, Volumen 14, p. 121 – 125. Santiago de Chile. 2018.

NASCIMENTO, Sandra P. F. Representações lexicais da Língua de Sinais Brasileira: uma proposta lexicográfica. Tese de Doutorado em Linguística. Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

SILVEIRA, Hélder E.; SOUZA, Sinval. F. Terminologias químicas em libras: a utilização de sinais na aprendizagem de alunos surdos. Química Nova na Escola, v.33, n.1, p.37-46, 2010.

SOARES, Charley P.; GOMES, Eduardo A.; COSTA, Matheus R. da. Expansão terminológica em libras: proposta para criação de alguns sinais-termo referentes à energia. I Congresso Nacional de Libras da Universidade Federal de Uberlândia – I CONALIBRAS – UFU, 2017.

XAVIER, André N.; SANTOS, Thyago. A iconicidade na criação de termos técnicos em Libas. Revista Leitura – Línguas de Sinais: abordagens teóricas e aplicadas. V.1 nº 57 – jan/jun, 2016.